Laboratório de Jornalismo A - professor Marcel Cheida
Jovens abrigados: amadurecer não é opção
Mais de 7% dos jovens acolhidos, em Campinas, completaram 18 anos em abrigos, de acordo com o último relatório de situação dos abrigados, em 2017
Daniel Victor Silva, de 19 anos, é estudante do segundo ano do Ensino médio e passou pela longa caminhada de jovens que completam 18 anos dentro de instituições de acolhimento. O garoto viveu desde os oito anos em abrigos e, desde essa idade, não tem nenhum contato com a mãe, a única pessoa que conheceu da família. Hoje, ele vive em um abrigo da rede adulta de Campinas.
Daniel Victor Silva fazendo uma das tarefas do abrigo que mora. Foto: Luiza Lanna
Ao completar a maioridade, pela Legislação, todo adolescente precisa sair do abrigo e, por ser considerado independente, deve seguir para outra forma de acolhimento. Daniel, então, teve que deixar a instituição que morou durante anos em busca de uma nova moradia.
Para auxiliar na transição, a Prefeitura de Campinas oferece três opções para os jovens. Os que já tem certa independência financeira podem ser transferidos para as Repúblicas Institucionais; Os que ainda não tem tanta autonomia podem ir para os abrigos de rede de adultos; E os que tem algum tipo necessidade especial vão para a residência inclusiva. Além disso, eles podem tentar voltar a família ou se organizam entre amigos para alugar um casa, por exemplo.
Essa realidade não é só de Daniel. Em Campinas, no ano de 2017, das 477 crianças e adolescentes que estavam em situação de acolhimento, 37 delas completaram 18 anos dentro das instituições, o que representa um pouco mais que 7% do total, de acordo com dados da Coordenadoria Social de Proteção Especial de Alta Complexidade Criança, Adolescente, Jovens e Mulheres da Prefeitura de Campinas.
Daniel Silva, ao completar 18 anos, foi para a república institucional mas, segundo ele, não deu certo: “Dei umas mancadas”. Depois disso, passou por diversas casas de colegas, ficou um tempo na rua, no albergue, até que chegou no abrigo para adultos que mora hoje, o Cáritas, “a república é uma ideia bacana, mas aqui é um ambiente diferente, com pessoas mais velhas”.
Quando se percebe, a partir dos 15 anos, que não há chance de voltar à família biológica ou à adoção, já se trabalha a inserção do jovem no mercado de trabalho, de acordo com a Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Campinas na área protetiva Andréa Santos Souza. Isso faz com que, muitas vezes, seja exigida uma maturidade que eles ainda não têm. Daniel Silva relata a experiência nessa fase: “é um choque de realidade, não há um preparo para a vida no abrigo anterior, coisas básicas como fazer comida, passar roupa…. era tudo muito mastigado”.
William Mazolini é pedagogo formado pela Faculdades Integradas Maria Imaculada e faz parte do apoio técnico na gestão da Alta Complexidade Crianças, Adolescente, Jovens e Mulheres, desde 2001. Ele trabalha com o acolhimento de crianças e adolescentes e confirma que, assim como qualquer outro jovem, os acolhidos passam pela grande dúvida dos 18 anos: "O serviço de acolhimento tem trabalhado a autonomia com as crianças, mas eles são tutelados vinte e quatro horas. A maior preocupação desses meninos e meninas é essa independência que gera dúvida e medo”. Ele cita um caso logo que o serviço de repúblicas começou em Campinas. Um menino não conseguiu dormir sozinho na primeira noite: “o coordenador teve que dormir lá para acalmá-lo”.
Em Campinas, há duas Repúblicas que são da Prefeitura em parceria com o Instituto Padre Haroldo, uma casa feminina e outra masculina com seis vagas em cada. Os jovens ficam lá até os 21 anos com auxilio de um educador social, uma psicóloga, um assistente social e coordenador. A equipe técnica não fica na casa, ela vai em momentos específicos.
Nos abrigos adultos, como o que Daniel Silva mora hoje, há monitores durante todo o dia e assembléias entre os moradores para tomar as diretrizes da casa. A média de idade dos moradores nesta unidade do Cáritas é de 34 anos, o que faz com que os jovens convivam com pessoas mais velhas. O coordenador do abrigo, que é psicólogo formado na PUC Campinas, Leonardo Duart Bastos, trabalha há nove anos com acolhimento. Para ele, por mais que o modelo de acolhimento seja bem planejado, sempre há uma violação da individualidade:
O coordenador auxilia na organização da casa, como o horário das refeições que fica exposto neste painel. Foto: Luiza Lanna
“Os jovens chegam crus. Uma das coisas que garante o sucesso deles são os vínculos sociais, as amizades. Depois de anos criando esses vínculos, eles tem que sair e começar tudo de novo”. Leonardo ainda acrescenta que, normalmente, as pessoas que vão para situação de acolhimento sofreram algum tipo de violência e abuso, “quando eles não são cuidados, podem reproduzir esses abusos ou virar alvos fáceis”.
Segundo Michele da Conceição, Oficial Maior da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, a maior parte das crianças e jovens que estão no acolhimento sofreu negligência familiar. A Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Campinas na área protetiva Andréa Santos Souza, acrescenta que, além da negligência familiar, muitos tem envolvimento no tráfico e drogadição: “A questão da droga é sem dúvida - de longe - a que a gente tem maior problema" .
Os profissionais entrevistados pela reportagem relatam uma realidade presenciada por eles em comum - existente na sociedade em geral - mas muito mais delicada entre jovens acolhidos e pessoas em situação de rua: o envolvimento com substâncias psicoativas. A promotora Andréa Santos Souza afirma que a deficiência que se encontra no sistema de acolhimento é, principalmente, na área da saúde mental, já que todo acolhido passou por situações muitos sérias o que exige um cuidado maior, pois se tornam mais vulneráveis.
William Mazolini testemunha: “existe um número grande de adolescentes chegando com uso de substâncias psicoativas e é um público que vêm nos desafiamos e faz pensar qual o melhor serviço para eles”.
O psicólogo e coordenador Leonardo Duart Bastos confirma: “a droga tem sido um remédio que eles criam para se aliviar de uma situação que não tem saída, isso principalmente em pessoas em situação de rua”.
E Daniel confirma, “está em todo lugar, é bem difícil”.
O momento de deixar as Instituições de Acolhimento de Crianças e Adolescentes é inevitável e é preciso correr atrás de outra moradia, o que muitas vezes traz insegurança. Por isso, que a Coordenadoria Social de Proteção Especial de Alta Complexidade Criança, Adolescente, Jovens e Mulheres de Campinas enxerga novas necessidades.
"Nós sentimos a necessidade de um novo abrigo para maiores de 18 anos que atenda preferencialmente os jovens que saem do serviço de acolhimento”. Dessa forma, Mazolini afirma que será possível atender adolescentes, como o Daniel, que ainda precisam de algum tipo de tutela, seja na questão financeira, como no envolvimento com substâncias psicoativas ou até mesmo a dificuldade de retorno para as famílias. "Estamos investindo, começando a discutir e trabalhando para isso”.
Jornalismo Impresso - professora Márcia Rosa
Produção Audiovisual em Jornalismo - professora Ivete Cardoso Roldão
VIRANDO PÁGINAS – Vidas que Transformam Vidas
A websérie “Virando Páginas – Vidas que Transformam Vidas” conta, em cinco episódios, cada um com personagens diferentes, histórias de instituições e voluntários que transformaram a vida dos que mais necessitavam e, por fim, as suas mesmas. Os episódios trazem depoimentos de pessoas que tiveram as suas vidas mudadas por ONGs, pequenas organizações, voluntários e depoimentos daqueles que foram os agentes dessas mudanças.
“Remédio para a Alma”foi feita pelos alunos Amanda Furlan, Breno Beham, Luiza Lanna, Matheus Gomide e Yasmin Rachid e mostra como atenção e vontade de ajudar, junto ao amor pela música, podem transformar a vida das pessoas. O projeto foi orientado pela Professora Ivete Cardoso Roldão.
“Remédio para a Alma”foi feita pelos alunos Amanda Furlan, Breno Beham, Luiza Lanna, Matheus Gomide e Yasmin Rachid e mostra como atenção e vontade de ajudar, junto ao amor pela música, podem transformar a vida das pessoas. O projeto foi orientado pela Professora Ivete Cardoso Roldão.
DIGITAIS ENTREVISTA – tortura da ditadura
No Digitais Entrevista, você confere uma conversa com o ex preso da ditadura militar no Brasil, o professor de geologia da UNICAMP Carlos Alberto Lobão . O assunto é tortura na ditadura, como ela deixou muitas marcas e mesmo assim grupos pedem a volta desse regime totalitário. A apresentação é feita pela aluna Yasmin Rachid e a produção é de Amanda Furlan, Breno Carlos Beham, Luiza Lanna e Matheus Gomide. Este trabalho foi orientado pela professora Ivete Cardoso Roldão.
SINGULAR – Preconceito na Educação
Nesta edição do podcast “Singular – Sem padrões, estereótipos e preconceitos” você confere uma discussão sobre o preconceito de classe na educação. Apesar de discreto e sutil, este preconceito é muito presente hoje, principalmente com os estudantes que participam de programas socioeducacionais como o PROUNI e as cotas. A apresentação é feita pelos alunos Matheus Gomide e Luiza Lanna e a produção de Alexandre Corrêa, Amanda Furlan, Breno Beham e Yasmin Rachid. Este trabalho foi orientado da professora Ivete Cardoso Roldão.